Amor
Depois do jantar, enfim, a primeira brisa mais fresca entrou pelas janelas. Eles rodeavam a mesa, a família. Cansados do dia, felizes em não discordar, tão dispostos a não ver defeitos. Riam-se de tudo, com o coração bom e humano. As crianças cresciam admiravelmente em torno deles. E como a uma borboleta, Ana prendeu o instante entre os dedos antes que ele nunca mais fosse seu.
Depois, quando todos foram embora e as crianças já estavam deitadas, ela era uma mulher bruta que olhava pela janela. A cidade estava adormecida e quente. O que o cego desencadeara caberia nos seus dias? Quantos anos levaria até envelhecer de novo? Qualquer movimento seu e pisaria numa das crianças. Mas com uma maldade de amante, parecia aceitar que da flor saísse o mosquito, que as vitórias-régias boiassem no escuro do lado. O cego pendia entre os frutos do Jardim Botânico.
Se fora um estouro do fogão, o fogo já teria pegado em toda a casa! pensou correndo para a cozinha e deparando com seu marido diante do café derramado.
- O que foi?! - gritou vibrando toda.
Ele se assustou com o medo da mulher. E de repente riu entendendo:
- Não foi nada - disse -, sou um desajeitado. - Ele parecia cansado, com olheiras.
Mas diante do estranho rosto de Ana, espio-a com maior atenção. Depois atraiu-a a si, em rápido afago.
- Não quero que lhe aconteça nada, nunca! - disse ela.
- Deixe que pelo menos me aconteça o fogão dar um estouro - respondeu ele sorrindo.
Ela continuou sem forças nos seus braços. Hoje de tarde alguma coisa tranqüila se rebentaram, e na casa toda havia um tom homorístico, triste. É hora de dormir, disse ele, é tarde. Num gesto que não era seu, mas pareceu natural, segurou a mão da mulher, levando-a consigo sem olhar para trás, afastando-a do perigo de viver.
Acabara-se a vertigem de bondade.
E, se atravessara o amor e o seu inferno, penteava-se agora diante do espelho, por um instante sem nenhum mundo no coração. Antes de se deitar, como se apagasse uma vela soprou a pequena flama do dia.
quinta-feira, outubro 11, 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário