quarta-feira, outubro 03, 2007

Nascer: findou o sono das entranhas.
Surge o concreto,
a dor de formas repartidas.
Tão doce era viver
sem alma, no regaço
do cofre maternal, sombrio e cálido.
Agora,
na revelação frontal do dia,
a consciência do limite,
o nervo exposto dos problemas.

Sondamos, inquirimos
sem resposta:
Nada se ajusta, deste lado,
à placidez do outro?
É tuo guerra, dúvida
no exílio?
O incerto e suas lajes
criptigráficas?
Viver é torturar-se, consumir-se
à míngua de qualquer razão de vida?

Eis que um segundo nascimento,
não adivinhado, sem anúncio,
resgata o sofrimento do primeiro,
e o tempo se redoura.
Amor, este o seu nome.
Amor, a descoberta
de sentido no absurdo de existir.
O real veste nova realidade,
a linguagem encontra seu motivo
até mesmo nos lances de silêncio.

A explicação rompe das nuvens,
das águas, das mais vagas circunstâncias:
Não sou eu, sou o Outro
que em mim procurava seu destino.
Em outro alguém estou nascendo.
A minha festa,
o meu nascer poreja a cada instante
em cada gesto meu que se reduz
a seu retrato,
espelho,
semelhança
de gesto alheio aberto em rosa.

Carlos Drummond de Andrade - Nascer de novo

2 comentários:

  1. Anônimo20:22

    Minhas aulas de Literatura estão sendo as melhores *-*
    Estou vendo Moderniso. Aula passada foi só sobre Fernando Pessoa; quase morri!
    Daqui a pouco vai ser dobre o Drummond. Foda. Já andei lendo a apostila e um pedaço de um poema dele ficou na minha cabeça:

    ''Calo-me, espero, decifro.
    As coisas talvez melhorem''.

    Sem o que dizer, simplesmente fantástico.

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  2. Anônimo20:23

    Modernismo*

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